A resenha de hoje é de um dos livros da escritora portuguesa Sofia Silva, que lançou suas obras da série Quebrados pela editora brasileira Valetina. O da resenha de hoje, “Corações Quebrados”, é o segundo da série e foi lançado em 2018, mas pode ser lido por quem ainda não leu o primeiro, pois não é necessariamente uma continuação e conta a história de amor de novos personagens marcados por problemas psicológicos ou abusos. Corações Quebrados conta a história de Diogo e Emília, ele um soldado português que abandona a carreira militar e tenta seguir sua vida após a morte de seus amigos e companheiros de farda; e ela uma jovem brasileira, estudante de veterinária e que após um grave acidente de trânsito em que perdeu pais e irmãos e sofreu danos físicos irreparáveis, entrou em depressão e até mesmo tentou tirar sua própria vida.

A história começa quando Rafaela, tia de Emília e sua psicóloga, entra em contato com Leonardo, psicólogo e amigo de Diogo, após ler um artigo dele sobre a recuperação de soldados no pós-guerra. Ela acredita que a experiência dele pode ajudar a tirar a sobrinha da depressão e trazê-la de volta à vida. A ideia é intermediar uma aproximação online de Diogo e Emília através de um chat na internet, onde ambos poderão conversar e trocar experiências, tudo intermediado pelos profissionais.
E assim acontece, apesar da resistência inicial de Emília, eles começam a conversar e a trocar confidencias e dificuldades, tentando auxiliar-se mutuamente ao mesmo tempo em que também conhecem mais um sobre o outro. Aos poucos eles vão se aproximando, estreitando a amizade e passam do chat observado por seus psicólogos para conversas em outros locais mais privados.

Já de início, Diogo se sente muito melhor conversando com Emília e supera o que restava de seus traumas, retornando às atividades antigas e buscando ao máximo saber mais sobre ela, fazê-la ficar bem e impressioná-la. Mas a brasileira não se abre tanto quanto ele e mantém uma aura de mistério, principalmente em relação ao acidente que sofreu, além de uma autoestima baixa e muita insegurança. O que faz com que ele tente cada vez mais saber sobre ela e descobrir o que ocorreu, inclusive perguntando ao seu próprio psicólogo, que se nega a contar. Mas o relacionamento — mesmo à distância — avança e os dois passam a se falar diariamente por ligação e por vídeo, e Diogo, inclusive, apresenta Emília à sua família e, online, faz com que ela participe da ceia de natal deles e comemore o ano novo junto com ele. Tudo vai muito bem e ele começa a imaginar uma vida com ela, até que…

Sem explicação ela manda uma última mensagem se despedindo e dizendo que não gostaria mais de conversar com ele, excluí suas contas nas redes sociais e some, sem dar chance dele perguntar o que aconteceu. Como é de se imaginar, Diogo enlouquece e como única solução vem para o Brasil atrás dela. A partir de então, eles se encontram pessoalmente e Diogo descobre que após o acidente ela precisou amputar uma das pernas, possuí diversas cicatrizes, principalmente na região da barriga, e que após descobrir tudo isso foi que o antigo noivo dela a deixou, tornando-a ainda mais insegura, triste e depressiva. E agora pessoalmente, Diogo precisa lidar com todos os traumas dela, esperar o tempo dela para avançar na relação e provar dia após dia que a ama e não vai desistir dela.
Tudo isso acontece basicamente em apenas um terço do livro e os dois restantes são juras de amor, drama, dificuldades de avançar a relação, histórias e momentos românticos no geral. Antes da metade do livro, a obra torna-se repetitiva, melosa e dramática em excesso, sempre com juras apaixonadas do Diogo e inseguranças da Emília. Também é importante dizer que o livro é narrado em primeira pessoa e sobre o ponto de vista intercalado dos dois personagens principais — apesar de ter um único capítulo aleatório e desnecessários narrado pela Rafaela — e consiste basicamente em duas coisas: diálogos e fluxos de pensamentos. Não há descrições de locais, ambientes e personagens, ou mesmo ações, somente as falas e os pensamentos do narrador daquele capítulo e quase sempre centrado no amor e no par romântico. Inclusive, em alguns diálogos com mais personagens, me perdi um pouco nas falas, sentindo falta de incisos que descrevessem quem é que estava falando. Outra coisa que me incomodou bastante foi a escrita em português de Portugal. Entendo que a autora é de lá e escreve assim, e tudo bem o Diogo dizer “Amo-te” e usar próclise e mesóclise corretamente em conversas informais. Porém, em diversos momentos personagens brasileiros falavam como os portugueses, usando expressões deles e estrutura de frases semelhantes às portuguesas. Como o livro foi lançado por editora brasileira, no Brasil, o revisor poderia ter alterado algumas expressões e palavras, tornando-as mais naturais para brasileiros nativos.

Em relação à trama, personagens e enredo também tenho algumas críticas: os personagens me pareceram superficiais demais. Diogo é o cara perfeito que em poucas palavras curou-se completamente de seus medos e traumas e está sempre disposto a ajudar os outros e fazer juras e juras de amor incansáveis e em formas de poema. Mas não há nada de humano nele, nada que me toque ou faça eu me apaixonar pelo personagem. Sua vida gira em torno de Emília, e é isso. Inclusive, acho que ele se mete bastante em coisas que não tem conhecimento, como na vez em que fez um dos garotos da clínica, Cauê, que sofreu abusos sexuais e tem um passado sombrio, espancá-lo porque segundo ele, aquilo faria com melhorasse. Com base no que ele diz isso? Como ele sabe? Nunca fez psicologia. Nunca se especializou na área. Apenas viveu e superou seu próprio passado que é completamente diferente do dos outros. O mesmo vale para quando, quase no final, ele abandona Emília porque acha que ela precisa superar o restante de  seus medos sozinha e que só poderá voltar a vê-lo quando tiver melhor e sem medos, mais segura de si e recuperada completamente. Quando que na vida real isso não seria um novo baque e um novo motivo de desânimo e depressão pra alguém que está se recuperando? A moça ainda estava mal, ainda vivia na clínica, convivia com o amor da sua vida 24 horas por dia, dormia no mesmo quarto que ele, dividia tudo com ele e aí do nada o cara some e ela fica bem? Não sente sua falta? Ou fica triste e depressiva? Também vale a ressalva de que em muitos momentos senti que se formava um relacionamento abusivo entre os dois personagens. Ambos eram muito dependentes um do outro e nada existia além do amor e do romance entre eles. E sabemos que estruturar uma nova vida tendo como base um relacionamento tem altas chances de dar problema, né?

Fora tudo isso, o livro tem seus pontos fortes: a diagramação e a edição da editora Valentina está lindíssima! A capa é maravilhosa e a narrativa conta com diversos poemas e frases de amor, escritos pelos próprios personagens, a leitura é leve e rápida e para quem gosta de  muito drama, declarações de amor e superação o livro é ótimo! Também trago como positivo o trabalho da autora na forma de abordar a depressão da Emília e a sua deficiência, assim como fazer os personagens conversarem sobre diferenças entre Brasil e Portugal e de forma despretensiosa trazer informação e conhecimento aos leitores. Se você gosta de romance, drama, e uma história pra ler e esquecer da vida, sem muitas decepções e tristezas, vai gostar de “Corações Quebrados”!
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